Maria Adelaide de Sam José e Sousa, popularmente conhecida como Santa Maria Adelaide ou apenas Santinha de Arcozelo (Porto, 1835 – 4 de Setembro de 1885), é uma "santa em carne" portuguesa, não reconhecida pela Igreja Católica. É considerada, pela devoção popular, como santa e seu centro de devoção localiza-se em Arcozelo, em Vila Nova de Gaia, no distrito do Porto.
Era filha bastarda de um oficial do Exército Português e de uma menina, oriunda, segundo alguns autores, de Lamego, e segundo o seu biógrafo, Gomes dos Santos, do Porto, embora se desconheça de que freguesia, assim como o nome de seus pais.[1]
Ainda jovem foi internada num colégio portuense, onde era visitada por um procurador. Na opinião de sua amiga, D. Ana Leopoldina,[2] esse personagem era o próprio pai da jovem.
Com o falecimento da organista do Convento de Corpus Christi, na zona ribeirinha de Vila Nova de Gaia, lembraram-se as irmãs de convidar para a função Maria Adelaide, já que aprendera música e o convento acolhia meninas e senhoras, contra o pagamento de determinada importância.
Devido à humidade nas instalações do convento à beira-rio, e à rígida clausura à época, Maria Adelaide contraiu tuberculose. Com o agravamento do seu estado, os médicos recomendaram-lhe a retirada do Convento. Muito relacionada com a sociedade portuense da época, à qual também pertencia, mudou-se então para a casa de D. Amélia Augusta Barbosa d'Albuquerque Seabra, ao largo do Moinho de Vento nº 1, no Porto. Acompanhou-a até à morte a criada do convento, Adelaide Augusta Napoleão Costa.[3]
Com o agravamento de seu estado, os médicos recomendaram então a urgente retirada para uma zona marítima, onde houvesse pinheiros e eucaliptos.
Ana Domingues dos Santos, conhecida por Ana do Alfaiate (profissão do marido), moradora de Arcozelo e lavadeira do convento, ao saber dessa prescrição médica, levou as notícias obtendo como resultado o oferecimento de diversas casas das gentes de Arcozelo. Devido aos cuidados que o seu estado inspirava, à época, Maria Adelaide fez testamento antes de sair do Porto para Arcozelo, com a data de 28 de Abril de 1876.[4]
Maria Adelaide chegou a Arcozelo, acompanhada por um médico e algumas famílias amigas, em Maio de 1876. Ficou instalada numa parte da casa de Joaquim Catarino. Entre as famílias que a acompanharam, vinha a de sua amiga D. Ana Leopoldina. Ela e o marido, Domingos, iam visitar Maria Adelaide quase todos os domingos.[5]
Após algum tempo, Joaquim d'Oliveira Pinto iniciou a construção de uma casa de lavoura próximo à residência de Maria Adelaide. Encantada com aquele género de habitação, manifestou o desejo de ser a primeira a habitá-la, ao que o agricultor acedeu, tendo Maria Adelaide se mudado para lá.
Nesse período, graças ao clima salubre e ao convívio positivo com a população, registou-se alguma recuperação na saúde de Maria Adelaide, que retomou algumas de suas actividades rotineiras como a confecção de renda e doces conventuais, nomeadamente os famosos pastéis de Santa Clara. Com as receitas assim obtidas (com o auxílio de D. Ana Leopoldina, que colocava os pastéis no mercado, juntamente com os da fábrica do marido), suportava as suas despesas e auxiliava a gente necessitada de Arcozelo. Gostava de crianças, dando-lhes diariamente pão, doces e roupas. Catequizava-as e, quando estavam com tosse, ministrava-lhes um xarope à base de pinhas novas e caruchas de pinheiro. Estava sempre pronta a reconciliar lares desavindos, tornando-se estimada por sua grande bondade.[6]
De súbito, uma forte constipação agravou o mal que a vitimava, vindo a vitimá-la em Setembro de 1885. Foi sepultada no cemitério de Arcozelo.[7]
No contexto da Primeira Guerra Mundial, nos primeiros meses de 1915, a Junta de Freguesia de Arcozelo determinou a todos os proprietários de jazigos no cemitério local o imediato arranjo e enfeitamento periódico dos mesmos, sob pena de perderem o direito a eles. Apenas dois ficaram sem cuidados, verificando-se, após consulta aos respectivos registos que um havia sido adquirido por Joaquim de Oliveira Pinto. Questionados, os seus filhos informaram que o pai havia adquirido o dito jazigo para uma senhora que vivera em sua casa e que estivera ligada ao Convento de Corpus Christi e que como o dito jazigo não lhes pertencia, não o haviam mandado limpar. Deste modo, o jazigo passou para a Junta de Freguesia. Esta por sua vez vendeu-o ao casal Manuel António Camarinha e Ana Antónia da Fonseca, residente no lugar de Vila Chã, para sepultamento de Joaquina Reis, uma sua tia, falecida a 23 de fevereiro de 1916.
O coveiro, ao abrir o jazigo, encontrou um caixão de chumbo. Sem conseguir levantá-lo, pediu a alguns pedreiros que trabalhavam próximo, que o auxiliassem. Posto à superfície e aberto para exame do conteúdo, foi encontrado o corpo incorrupto de uma senhora, permanecendo intactas as suas vestes, exalando um forte odor a rosas. O coveiro procedeu então o fechamento do caixão, e mandou chamar os membros da Junta de Freguesia. Estes determinaram recobrir o corpo com carboneto em pedra, regando-o com ácido nítrico ou água-forte, sepultando os restos em vala comum.
Embora houvesse sido ordenado o mais estrito sigilo aos trabalhadores, estes, impressionados com a descoberta de uma "santa", de volta aos seus lares comentaram-no na comunidade. Em consequência, no dia 25 (uma sexta-feira), uma massa de cerca de 800 pessoas, sob forte comoção, invadiu o cemitério obrigando o coveiro a revelar onde sepultara o corpo. De posse da informação, começaram a desenterrá-lo. Quando atingiram o caixão, as autoridades chegaram, impedindo aquele acto, inicialmente pela força, depois pelo convencimento (buscando ganhar tempo para os produtos químicos agirem, consumindo o corpo) e prometendo o desenterramento na segunda-feira seguinte.[8] A multidão, convencida, afastou-se, passando a montar vigília no campo santo, para evitar qualquer manobra de trasladação. Ao ter conhecimento da quantidade e qualidade dos produtos aplicados pelos boatos que corriam, os populares conheceram nova comoção e, no dia 27, domingo, à hora da primeira missa paroquial, acorreram ao lugar da Igreja (em frente ao cemitério), aos milhares.[9] O abade da freguesia, diante da multidão que se comprimia no adro, não abriu a Igreja. Nesse transe, "ti Joaquina Rainha" e "ti Rosa Caleira", de enxadas nas mãos, pularam o muro traseiro do cemitério e começaram a cavar, ao som dos sinos que a esta altura tocavam a rebate, por meio de uma corda improvisada com as faixas da mulheres atadas umas às outras. Em paralelo, a pressão da multidão junto às grades do cemitério, a oeste do portão, fez com que as mesmas cedessem em toda a sua extensão, arrastando consigo centenas de pessoas, entretanto sem vítimas,[10] permitindo que, em poucos minutos, o caixão com o nome de D. Maria Adelaide fosse retirado da terra ainda com o auxílio das faixas das lavradoras. Aberto uma vez mais, constatou-se que o corpo continuava incorrupto. Estando o dia nublado, na ocasião começou a cair uma chuva fina, que começou a reagir com o carboneto, que, entretanto, apenas chamuscou o rosto da "santa", danificando-lhe levemente as vestes.
O Administrador do Conselho, ao ter conhecimento do que se sucedia, acionou uma força da Guarda Nacional Republicana — quinze homens sob o comando do Sargento Rebolho — com ordens para restabelecer a ordem. Esta força chegou a Arcozelo às 11h30 e, com muita dificuldade e diplomacia — evitando uma tragédia de grandes proporções — logrou esvaziar o cemitério. Acalmados os ânimos, o corpo foi então lavado por algumas mulheres, vestido com roupas novas e depositado em uma urna de modo a que, a partir das 16 horas, a população pôde, ordenadamente, em extensa fila, ver o corpo da "santa". Pelas 17h30 foi-lhe colocado cal em pó e a urna fechada e depositada na capela de José de Oliveira Pinto, filho de Joaquim de Oliveira Pinto.[11]
A partir de então, a capela tornou-se local de devoção popular e de deposição de ofertas. Organizou-se então uma comissão visando angariar fundos para a construção de uma capela própria, que veio a ser erigida no ângulo Sudoeste do cemitério.
Após cinco anos, em 1921 o corpo foi trasladado para a nova capela. Na ocasião a urna foi novamente aberta, na presença do delegado de Saúde de Vila Nova de Gaia, Dr. Manuel Ferreira de Castro, constatando-se que o corpo, um tanto queimado pelos produtos químicos, continuava incorrupto e a exalar acentuado odor a rosas. De modo inexplicável, a cal aplicada cinco anos antes, estava toda arrumada para os lados da urna.[12] O delegado de Saúde, afirmando que o corpo "cheirava muito bem", mandou pô-lo ao alto e experimentou as articulações, que dobravam normalmente, verificando a temperatura da pele, que era como a de uma pessoa viva. Aquela autoridade, então, autorizou que o corpo fosse exposto ao público.[13]
O fenómeno passou a atrair milhares de pessoas, aumentando o fluxo no local. Passados dois anos, em 1923, a Junta de Freguesia iniciou a construção de uma nova capela, mais espaçosa, a leste do cemitério, com a urna apoiada em um pedestal central e espaço suficiente para que ela fosse apreciada pelos visitantes. A construção empregou na decoração da fachada os melhores lavristas de pedra da região. Os vitrais são de autoria do vitralista Ricardo Leon. Finalmente, a 17 de Maio de 1924, um sábado, ao fim da tarde, o corpo foi trasladado para a capela atual.
O santo em carne encontra-se desde então exposto em uma urna com tampa de vidro, sobre um pedestal de mármore.
Ao longo da história da sua devoção, a "santinha" foi também alvo de diversos atentados.
No dia 4 de Novembro de 1924, pelas três horas da manhã, uma violenta explosão teve lugar na capela, destruindo por completo a porta e o pedestal de madeira onde assentava a urna. A população acorreu de imediato, armada com as suas ferramentas, promovendo-se uma batida às redondezas, sem resultados: jamais se descobriu a autoria do atentato. A urna, inexplicavelmente, continuou intacta a um canto, equilibrada, em posição horizontal, sobre dois pedaços de madeira. Foram danificados ainda a padieira da referida porta, esfacelada parcialmente, o mesmo ocorrendo à cornija na sua direção. A parte superior da capela deslocou-se cerca de dez centímetros, ficando ovalizada, e parte da fachada dianteira estourou de malhete.
Poucos anos depois, em Dezembro de 1930, registou-se uma tentativa de roubo. Durante a noite, os assaltantes tentaram arrombar a porta Oeste, que resisitiu. Os guardas de vigilância, entretanto, lograram repeli-los, tendo os assaltantes em fuga deixado atrás de si muitos objetos próprios para arrombamento.
Em 1931, uma pessoa cadastrada, de nome Josué, entrou na capela e, ajoelhando-se próximo à caixa de ofertas, simulou orar. Levava consigo uma vara com visco numa ponta, que introduziu pela ranhura da caixa, para retirar moedas. Sem sucesso, tentou incendiar a caixa para tentar abrí-la. Quando lá colocou as mãos, sentiu que as mesmas ficaram presas, sem que conseguisse soltá-las. Com medo, gritou por socorro, sendo então percebido pelos vigilantes, que o detiveram.
Na noite de 10 para 11 de Junho de 1981, por volta de uma hora da madrugada, após sedar o vigilante, um grupo arrombou o vitral de uma janela no lado Oeste da capela, a cerca de 4 metros de altura, penetrando no seu interior onde tentaram desaparafusar o vidro de proteção da urna. Sem consegui-lo, partiram o vidro, causando danos ao corpo, que teve dois dedos da mão esquerda partidos. Os adornos do corpo, pulseiras, cordões, corações e medalhas, em ouro, foram levados pelos criminosos. Tentaram em seguida, arrombar as caixas de esmolas, sem sucesso, evadindo-se, sem serem percebidos ou identificados, pela porta oposta da capela, em um veículo.[14]
No dia 25 de Maio de 1983, pouco após as 12h, João Rodrigues Valério, de 35 anos, entrou na capela, levando nas mãos um ramo de flores e uma saca. Só, junto ao túmulo, tirou da saca uma marreta com a qual tentou desfazer a "santinha". O barulho chamou a atenção de uma funcionária do Museu e de um vendedor de lotaria que passava na rua,[15] que prenderam o agressor, entregando-o à GNR. Julgando que ele ainda se encontrava nas instalações da GNR de Arcozelo, a população, uma vez mais sob forte comoção, tentou invadi-las para fazer justiça pelas próprias mãos, sendo necessário um reforço de 80 homens vindos à pressa de Matosinhos. Recebidos à pedrada, ouviram-se dois tiros de aviso para dispersar a multidão o que aumentou a tensão, voltando-se os populares para os carros da Guarda. O incidente apenas foi encerrado pela intervenção do capitão da força de Matosinhos, José Armando Pereira Machado, que associando-se à dor dos populares, conseguiu dialogar com eles, explicando com clareza a situação e logrando dispersar, em ordem, a multidão.[16]
O atentado mais recente ocorreu no dia 24 de maio de 2016. Cerca das 08 horas da manhã, um homem de 38 anos entrou com uma pedra na mão e estilhaçou o vidro existente na tumba da "Santinha de Arcozelo", alegadamente por esta não ter realizado o milagre que este homem lhe pediu. Foi impedido pela GNR, alertada por uma funcionária do museu no qual se integra a capela de Santa Maria Adelaide, não tendo oferecido resistência.
Embora não esteja canonizada pela Igreja, são numerosas as pessoas que visitam o seu santuário, solicitando a mediação para obterem graças e pagando as promessas feitas em sua devoção. Entre os ex-votos que se conservam no pequeno museu anexo, destacam-se mais de 6000 vestidos de noiva, vestidos de baptizados, comunhão, moedas e notas de mais de 25 países, peças de artesanato, cerâmicas, colares, anéis, cordões, velas, cera, próteses, cabelos cortados, relógios, camisolas de jogadores de futebol, um mundo de fotografias com a descrição de milagres e agradecimentos.